quinta-feira, março 10, 2011

Geração quê? Pistas para debate

Numa aula de Teoria e Prática de Educação para os Media seria um contra-senso não agarrar o que a actualidade nos traz (e o modo como ela nos faz), de modo a procurarmos entendê-la melhor nos seus contornos, nas suas questões e interrogações.
Independentemente do sucesso das manifestações previstas para este sábado convocadas via redes sociais pela auto-denominada "geração à rasca", o que se tem passado, colorido e ilustrado musicalmente pela música dos Deolinda, dá-nos matéria de sobra de reflexão. Outras ideias - ou o testemunho de outras abordagens - são certamente bem-vindas. Educar para os media é aprender a interrogar o modo como eles iluminam e dão sentido ao que se passa à nossa volta (ou, pelo contrário, contribuem para o ruído e o nevoeiro que já existe). Este fenómeno a que vimos assistindo (em que vimos eventualmente participando) envolve, em simultâneo, um grupo musical que tem sido ele próprio um fenómeno que cruza meios sociais; uma canção desse grupo erigida em estandarte; apropriação de redes sociais; discussão pública por diversos colunistas e posições antagónicas; campanhas de apoio mais ou menos disfarçado em alguns media tradicionais e reserva circunspecta da parte de outros. Que podemos aprender de tudo isto?
Comecemos por ouvir - com gozo e com atenção - a música.


Parva que Sou - Deolinda 

Sou da geração sem remuneração
e não me incomoda esta condição.
Que parva que eu sou!
Porque isto está mal e vai continuar,
já é uma sorte eu poder estagiar.
Que parva que eu sou!
E fico a pensar, que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração ‘casinha dos pais’,
se já tenho tudo, pra quê querer mais?
Que parva que eu sou
Filhos, maridos, estou sempre a adiar
e ainda me falta o carro pagar
Que parva que eu sou!
E fico a pensar, que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração ‘vou queixar-me pra quê?’
Há alguém bem pior do que eu na TV.
Que parva que eu sou!
Sou da geração ‘eu já não posso mais!’
que esta situação dura há tempo demais
E parva não sou!
E fico a pensar, que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

DEOLINDA, Parva que sou

Pistas para debater:
  • Socialmente, quem é aqui caracterizado? Trata-se de uma situação generalizada ou característica de certos ambientes (classes) sociais?
  • Qual o grau de correspondência entre a descrição feita na canção e a realidade?
  • Como caracterizar as reacções e comentários veiculadas pelos media acerca da canção dos Deolinda? Inscreve-se em algum desses tipos de reacção o célebre editorial de Vicente Jorge Silva, no Público dos anos 90, intitulado "Geração rasca"?
  • Como e em que contexto se tornou a canção uma espécie de 'hino' de uma certa geração ou segmento dela? Que outros casos idênticos podem ser identificados no passado?
  • O movimento que se gerou através do Facebook, designado Protesto da Geração à Rasca, de que forma tem tirado partido das redes sociais? Com que dimensões e resultados? 
  • Como têm os media tradicionais reagido e lidado com esse movimento?

2 comentários:

Anónimo disse...

Penso, se me permitem, que a música ainda nos traz mais um ponto para o debate, no verso: "Há alguém bem pior do que eu na TV." Quais são as linhas orientadoras para a produção do espectáculo televisivo? Estaremos a reinventar os géneros televisivos, através da reinvenção dos conteúdos? Estamos perante uma nova forma de fazer e de ver televisão?

Sandra Cristina Silva

Manuel Pinto disse...

Obrigado pelo seu contributo, Sandra.