quinta-feira, dezembro 29, 2011

Cintra Torres analisa anúncio da Coca-cola



Na sua habitual coluna semanal de análise de anúnicos publicitários no Jornal de Negócios, Eduardo Cintra Torres toma como motivo de reflexão o anúncio televisivo da Coca-Cola, na campanha natalícia deste ano. Um excerto:

"A Coca-Cola, mãe do Pai Natal, estreou na noite da consoada mais um dos seus anúncios televisivos cheios de paz e amor, mas desta vez levou mais longe a mensagem com umas frases destinadas a construir "um mundo melhor".

Décadas atrás, os espectadores considerariam os publicitários e a marca loucos: o discurso do "mundo melhor" e das "razões para acreditar" nisso era monopólio de organizações políticas e publicistas; as marcas limitavam-se a promover alegria com os seus produtos. Não mais.

A versão portuguesa do reclame usa frases adaptadas à situação nacional de crise. As imagens têm menos importância do que as frases, mas chamo a atenção para estas: as "más notícias" no mundo são associadas a noticiários de TV ("uns dizem que tudo está perdido", lê-se na frase sobreposta num apresentador de telejornal; mais à frente, outra frase diz que "há mais vídeos divertidos na Internet... que más notícias em todas as televisões"); a crítica, valor essencial das sociedades democráticas há pelos menos três séculos, é mal vista pela Coca-Cola, que associa um indivíduo sinistro a preto e branco aos "muitos portugueses que criticam Portugal".

A explicação pelo director de marketing da Coca-Cola (Briefing, 27.12) usou duas vezes a ideia da "visão mais positiva" e do que há de "mais positivo", em que se incluem visualmente os vídeos giros ou patetas da Internet, concepção da comunicação com uma implícita visão negativa do jornalismo, associado a "más notícias". Recordo que diversos governos adversários da liberdade de expressão tentaram ou tentam controlar quantitativamente as "boas" e "más" notícias nos noticiários, governos como os da autocrática Federação Russa, da Hungria, da Roménia e de Sócrates em Portugal.

Nesta campanha, a Coca-Cola associa-se, assim, a uma visão política do jornalismo altamente condenável e adversa à liberdade de informar. (...)"

Para continuar a ler: Manto Diáfano.

UMA POSIÇÃO DIVERSA:

O Prof. Nelson Zagalo, da Universidade do Minho, exprime, no seu espaço no Facebook, uma posição bastante diversa da de Eduardo Cintra Torres:
Discordo do discurso que assaltou o espaço online acerca do spot da Coca-Cola. Primeiro porque é uma Publicidade, não é uma Notícia, nem Reportagem. Segundo, porque cumpre eficazmente o que se compromete, que é elevar a auto-estima e o optimismo de quem vê o anúncio, claro que o faz momentaneamente, mas alguém espera que um anúncio lhe resolva os problemas que tem em casa ou no seu país?
Fazer leituras políticas disto parece-me inapropiado, e sei que estou em minoria a contabilizar pelas dezenas de textos, comentários, e contra-anúncios que podemos encontrar no YouTube feitos em todos os países aonde a campanha foi lançada. Mas não posso deixar de enaltecer a capacidade criativa de quem desenhou o conceito, da forma eficaz como toca as pessoas, as emociona e com isso ganha o seu apreço, não para se conformarem ou se rebelarem, mas apenas e só para continuarem a comprar Coca-Cola. A publicidade é isso mesmo, nada mais.
Todo este discurso de desconfiança face à Coca-Cola tem por base apenas a crença de que as pessoas, "o povo", não possui literacia suficiente para desmontar as lógicas persuasivas. Mas se não tem porque não atacamos o problema na raiz que é a educação das pessoas, e não as educamos na arte de comprender e interpretar o discurso audiovisual, além do textual? Seremos um país mais feliz se impedirmos as marcas de se expressar, de comunicar?

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