Sei de pessoas que já não conseguem ouvir nem ver notícias. Preferem, na televisão, os documentários que surgem no fim dos telejornais. Não aguentam a dose de más notícias, de desgraças, de problemas, de escândalos.
Felizes, porém, os que são capazes de se auto-determinar face ao mundo em que vivem, sem terem de fugir da realidade e meter a cabeça na areia.
Para o bem ou para o mal, precisamos das notícias para guiar os nossos passos e perscrutar o ambiente. Até porque cada vez mais elas mexem com as vidas e os quotidianos, com os incertos amanhãs. Em muitos casos de forma brutal, quando significam perda de emprego, abandono e exclusão, como quem é atirado para o lixo (“homens que são como lugares mal situados”, no poema de Daniel Faria).
Eu vejo a família à volta da mesa, àquela hora em que o país e o mundo desaguam na cozinha ou na sala de jantar. Em que a mãe e o pai carregam o peso de mais um dia de trabalho ou da procura dele. Em que os de emprego ou estatuto mais ou menos seguros esgrimem no ecrã as suas razões. Em que os miúdos, de olhares inquiridores, seguem os movimentos e palavras dos crescidos, pressentindo que algo de grave se passa ou se vai passar.
Neste quadro doméstico, diariamente alimentado pela mesma dose televisiva de uma cegarrega repetitiva e distante, mas cujos impactos todos mais ou menos conhecem, faz todo o sentido que nos confrontemos com algumas perguntas que adquirem hoje especial acuidade. Ensina-nos a sociologia da infância, uma novel especialidade da disciplina sociológica, que, nas crises socioeconómicas, os mais afectados são, precisamente, as crianças. Há, pois, que lhes prestar atenção.
Como será a crise vista do lado dos miúdos, mesmo quando não são directa ou imediatamente atingidos por ela? Como compreenderão eles o que se noticia, para além do imediatismo eventual daquilo que os pode afectar? Quem os escuta nas suas inquietações, perplexidades e sonhos? Quem lhes fala de modo que, ao menos, entendam um pouco o que está em jogo e os cenários que se desenham (ou da falta deles)?
Que ao menos em casa e na escola haja espaço para exprimirem perguntas e perplexidades e que haja quem as acolha e escute. Mesmo que as respostas sejam poucas.
(Texto publicado na edição de hoje do Página 1/RR)
segunda-feira, outubro 17, 2011
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