Por um debate da televisão de qualidade no espaço público
Um grupo de investigadores do CICCOM - Centro de Investigação em Ciências da Comunicação da Universidade do Algarve, coordenado pelo Prof. Vítor Reia Batista, traz hoje, no Público, um texto de opinião sob o título em epígrafe, que, pela estreita articulação com o âmbito deste blogue, transcrevemos na íntegra, com a devida vénia:
"Na sequência de um artigo aqui já publicado com a opinião de colegas da Universidade do Minho, lançando o debate sobre "a televisão no espaço público", propomos introduzir nesse debate um novo elemento - a Qualidade, ou seja, "a televisão de qualidade no espaço público". Em primeiro lugar, como matéria de reflexão em torno de possíveis conceitos de qualidade e da sua possível "utilidade". Em segundo lugar, como necessidade de desenvolvimento de um melhor estado de literacia dos media por parte dos consumidores e dos agentes mediáticos. E, por fim, como uma breve nota de reflexão e aviso.
1. A discussão sobre a qualidade da programação oferecida pelas televisões generalistas de sinal aberto, como é o caso da SIC e da TVI, mostra-se de grande relevância num momento em que se prepara a renovação das suas licenças. De acordo com dados da Media Planning Group, tanto a TVI quanto a SIC tiveram uma audiência média que rondou os 33 por cento no ano de 2004, o que significa que têm uma participação de 66 por cento do share da audiência televisiva média. No mesmo ano, os programas com maior tempo de antena foram os programas de ficção, com 34 por cento na SIC e 35 por cento na TVI. Estes dados permitem inferir que a discussão sobre a qualidade da programação poderia ser iniciada a partir de considerações a respeito dos géneros em que mais se investe devido ao seu alto consumo, ou seja, os géneros de ficção, o que, só por si, já seria uma questão bastante problemática. No entanto, ao invés de realçar os aspectos negativos da questão assim colocada, seria talvez mais produtivo propor parâmetros de qualidade, assentes numa série de princípios que poderiam nortear as futuras apostas na produção de programas de ficção pelas emissoras. Por exemplo, considerando que a televisão proporciona uma experiência colectiva e cria laços sociais entre diversas comunidades e sectores populacionais de características sociais, étnicas e etárias diversas, é necessário que a televisão crie narrativas que possam agregar valores na vida quotidiana dos telespectadores. As narrativas podem ser "úteis" em diferentes sentidos, como por exemplo, para entreter e desviar a atenção da realidade (as grelhas actuais são um bom exemplo disso) mas também para alertar para questões políticas, sociais e éticas de forma relativamente eficaz, como tem acontecido em alguns exemplos de projecção mediática internacional. Assim, o momento parece apropriado para pensarmos em boas formas de alargar o campo de debate à própria natureza da televisão para criar, contar e compartilhar narrativas que sejam "úteis" e que contribuam não somente para a democratização da sociedade, mas também para uma mudança de foco da completa banalização temática que assolou a comunicação social nos últimos tempos, especialmente no que toca aos géneros de ficcionais.
2. Neste sentido, parece-nos que, tão importante como discutir a televisão que se vê, será discutir o "ensinar a ver televisão". Trata-se, por um lado, de sensibilizar o público televisivo para as questões da qualidade mediática do mesmo modo que se procura sensibilizar os consumidores para uma atitude mais crítica e exigente em relação aos produtos que consomem em geral e, por outro lado, de empreender esforços no desenvolvimento de acções de pedagogia dos media, articuladas em estratégias de âmbito escolar e extra-escolar, nomeadamente para consumidores adultos, que contribuam para guiar o homo videns português a caminhos mais desenvolvidos de uma real literacia dos media. É com este objectivo que vários centros de investigação da Europa (entre eles o CICCOM) estão a desenvolver projectos em torno do compromisso comum de formar cidadãos suficientemente competentes para consumir e avaliar os media de uma forma crítica, consciente e autónoma (caso dos projectos: Carta Europeia para a Literacia dos Media e Competências Audiovisuais para os Cidadãos, entre outros). Logo, no debate público que venha a desenvolver-se sobre novas licenças de televisão, terá toda a razão de ser equacionar com igual destaque ambas as vertentes, consumista e crítica, da mesma questão, isto é, que género de televisão queremos nós, para termos um panorama televisivo de qualidade no nosso espaço público.
3. O espaço público terá sempre a qualidade resultante da intervenção de todos os agentes que ponteiam na esfera pública. Seremos mais cultos se granjearmos maiores índices de literacia a todos os níveis, seja no campo literário propriamente dito, ou no campo televisivo, onde somos grandes consumidores, mas completamente acríticos e até autocomiseradores. Assim, recomenda-se um simples exercício à futura entidade reguladora e aos agentes licenciados, públicos e privados, que demonstrem vontades auto-reguladoras, como já vem acontecendo num ou noutro caso de forma algo avulsa: Sentem-se comodamente com caderno e lápis (não se aconselha azul) e vejam com olhos de ver, ouçam com ouvidos de ouvir e vão tomando notas ao sabor dos impulsos mais imediatos durante umas boas horas de visionamento dos mosaicos de programação existentes (reality shows, telenovelas, videodiscos e até mesmo notícias) e se, ao relerem as notas tomadas, encontrarem um número significativo de recomendações do tipo com menção de linguagens e imagens chocantes, ou sexualmente explícitas, com números a corresponder a idades, ou desenhinhos para alertar os pais, os avós, etc... , se sentirem uma sensação de espírito aliviado, ou até mesmo de dever cumprido, então, melhor será recomeçarmos tudo do princípio porque por esse caminho não vamos lá. Se não acreditam, leiam algumas letras de hip hop, que a maior parte de nós (reguladores, produtores, académicos) desconhece (NWA, Public Enemy, 2Pac, 50 C, Boss AC,...) mas que os jovens de Paris e da Amadora conhecem bem e até já foram identificadas como um novo género: Edutainment. Fica o aviso".
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