Disponibiliza-se aqui o texto produzido pelo Grupo de Trabalho 'Comunicação e Educação', da SOPCOM, a propósito da Revisão da Estrutura Curricular que esteve em consulta pública desde finais de 2011 até ontem, 31 de janeiro.
Relativamente à Revisão da Estrutura Curricular que se encontra em fase de consulta pública, o Grupo de Trabalho ‘Comunicação e Educação’ da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação (SOPCOM) vem por este meio manifestar a sua preocupação relativamente a alguns aspetos propostos nesta Revisão e colocar algumas questões relativas à mesma.
Em primeiro lugar, é com apreensão que registamos um conceito redutor de “conhecimentos fundamentais”, bem como de “disciplinas fundamentais”, no qual se pretende centrar o currículo e reforçar as aprendizagens, tal como é referido no preâmbulo da proposta. A vida dos jovens não pode ser encarada de forma compartimentada, sendo importante contemplar nessa formação áreas de desenvolvimento pessoal e social e de formação cívica, vertentes que esta proposta não considera no domínio dos ‘conhecimentos fundamentais’ ou das ‘disciplinas essenciais” e que, portanto, exclui.
A escola deve ser um lugar de vida e, como tal, deve abrir-se ao mundo em que os estudantes vivem, sendo limitador, em nosso entender, reduzir os conhecimentos fundamentais que os jovens devem adquirir na escola aos conteúdos estritos de disciplinas como o Português, a Matemática e as Ciências. Perguntamo-nos, por isso, se o reforço das disciplinas ditas essenciais, em detrimento de disciplinas como a Formação Cívica, vai oferecer aos jovens tempo e espaço para o debate do que se passa no mundo, para o desenvolvimento de uma visão crítica sobre a atualidade, permitindo-lhes o desenvolvimento de competências de cidadania.
Em segundo, gostaríamos de manifestar a nossa preocupação com uma Revisão Curricular que parece estar em contra ciclo com as recomendações provenientes da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu relativas à formulação de uma abordagem europeia de promoção da literacia mediática. Com efeito, a educação/literacia dos media é considerada, em vários documentos produzidos por estes organismos, como uma área fundamental para uma cidadania ativa na sociedade da informação e do conhecimento de hoje. A Diretiva de Serviços de Comunicação Audiovisual (Diretiva 2010/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Março de 2010), por exemplo, estabelece a obrigação de a Comissão apresentar relatórios que mostrem os níveis de educação para os media em todos os Estados-Membros. Podemos aqui incluir um conjunto de outros documentos publicados sobretudo nos últimos seis anos que procuram incentivar a promoção da literacia dos media, considerada como uma competência fundamental “não só para os jovens, mas também para os adultos e as pessoas de idade, pais, professores e profissionais dos meios de comunicação social” (2009/625/CE, artº 15º). Nesta mesma recomendação, a Comissão Europeia refere, no artigo 16º, que “Uma sociedade com um bom nível de literacia nas questões dos media será simultaneamente um estímulo e uma pré-condição para o pluralismo e a independência dos meios de comunicação social. A expressão de opiniões e ideias diversas, em diferentes línguas, representando diferentes grupos, numa sociedade e entre sociedades diferentes contribui para o reforço de valores como a diversidade, a tolerância, a transparência, a equidade e o diálogo. O desenvolvimento da literacia mediática deverá, por conseguinte, ser fomentado em todos os sectores da sociedade e os seus progressos deverão ser acompanhados de perto”.
Perante Recomendações como esta, e que citamos apenas a título de exemplo pois são efetivamente muitos os documentos a aconselhar, e até mesmo a advertir para a abordagem da literacia mediática de diferentes modos e a diferentes níveis, perguntamos onde estará incluída, nesta Revisão Curricular, esta vertente de formação considerada essencial pelas Diretivas e Recomendações Europeias e às quais Portugal está vinculado. Aliás, esta revisão curricular representa um retrocesso no que diz respeito a este domínio de formação uma vez que, tal como é preconizado ponto 10 do Despacho nº 19308/2008, "ao longo do Ensino Básico, em área de projecto e em formação cívica devem ser desenvolvidas competências nos seguintes domínios:(...) j) Educação para os media".
Sendo a escola um lugar, por excelência, do exercício da cidadania, da promoção de igualdade de oportunidades e de democratização do conhecimento, não pode ficar de fora desta tarefa de educar para os media. Julgamos que caberá também ao Ministério da Educação o papel de contribuir ativamente para o Relatório que Portugal deve entregar de três em três anos (a partir de 19 de dezembro do passado ano) à Comissão Europeia sobre os níveis de educação para os media de todos os cidadãos portugueses (Diretiva 2010/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Março de 2010de 10 de Março de 2010, artigo 19º).
Face ao exposto, não é nossa intenção, contudo, propor uma disciplina autónoma de educação ou de literacia para os media. A nossa proposta vai antes no sentido de integrar esta componente numa área de formação cívica ou de educação para a cidadania ou de a tomar como uma dimensão transversal a várias outras disciplinas, desde que tais conteúdos estejam claramente formulados e explicitados. É neste sentido que vai, aliás, a Recomendação do Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre ‘Educação para a Literacia Mediática’ (Recomendação nº 6/2011, Diário da República, 2.ª série — N.º 250 — 30 de Dezembro de 2011), bem como a Recomendação, também do CNE, sobre ‘Educação para a Cidadania’ (Recomendação nº 1/2012, Diário da República, 2.ª série — N.º 17 — 24 de janeiro de 2012).
Em terceiro e último lugar, e em relação estreita com o exposto no último ponto, perguntamos se a preconizada “antecipação da aprendizagem das Tecnologias de Informação e Comunicação, garantindo aos alunos mais jovens uma utilização segura e adequada dos recursos digitais e proporcionando condições para um acesso universal à informação e comunicação” se orientará por uma vertente de tecnologia educativa, amplamente ancorada no acesso à tecnologia e ao uso funcional da mesma, ou se passará a incluir outros objetivos, nomeadamente, o desenvolvimento de competências para que os estudantes aprendam a pesquisar, a selecionar, a editar e a compreender e avaliar, de modo crítico, os conteúdos e as mensagens dos media, desde os tradicionais aos digitais, bem como de outros meios de informação. Questionamo-nos também se aquela disciplina irá contemplar, nas suas finalidades, o desenvolvimento de capacidades de produzir, de forma autónoma, criativa e crítica, conteúdos e informações em diversos contextos e plataformas.
Estando este Grupo de Trabalho (GT), constituído por investigadores e profissionais da comunicação e da educação, empenhado na promoção da educação para os media em Portugal, não podia deixar de manifestar a sua preocupação com a Revisão Curricular colocada à discussão e de colocar à consideração um conjunto de princípios que lhe parecem fundamentais para o processo de ensino e de aprendizagem em escolas do Século XXI. Em resumo, o GT propõe:
- a inclusão da literacia mediática nos conhecimentos fundamentais a adquirir pelos estudantes;
- a oferta de uma disciplina de Formação Cívica ou de Educação para a Cidadania nos Ensinos Básico e Secundário, com um currículo repensado e aperfeiçoado relativamente ao que tem sido proposto por esta disciplina nos Ensinos Básico e Secundário. Consideramos fundamental que esta disciplina disponha de um conjunto de orientações curriculares, para que os professores não andem à deriva na sua leccionação. Uma disciplina desta natureza poderá ser de importância crucial para formação cidadã dos estudantes, podendo contemplar a reflexão e a discussão de temas que são hoje preconizados como essenciais para uma (con)vivência saudável em sociedade e nos quais se inclui a educação/literacia para os media;
- a integração da educação ou literacia dos media numa área de formação cívica ou de educação para a cidadania ou a sua inclusão em outras disciplinas, como uma dimensão transversal aos seus curricula. Esta integração, numa área específica ou nas várias disciplinas, exigiria a formulação clara e explícita de conteúdos e objetivos, para que esta componente de formação não corra o risco de cair na ‘terra de ninguém’ e não haja quem se sinta responsabilizado pela mesma;
- o enriquecimento dos planos curriculares da disciplina de Tecnologias de Informação e Comunicação com objetivos e conteúdos da literacia dos media explicitamente formulados, no sentido de desenvolver nos estudantes competências que a Comissão Europeia e o Conselho Europeu consideram como fundamentais na formação de cidadãos do Século XXI.
Esperamos que este contributo possa enriquecer e alargar o debate em torno da revisão da estrutura curricular. Trata-se, sem dúvida, de um momento de extrema importância para a formação básica de crianças e jovens, uma formação que deve valorizar não apenas os conteúdos e os resultados mas também os processos de aprendizagem e os contextos de vida e de participação destas gerações.
31 de janeiro de 2012
O Grupo de Trabalho 'Comunicação e Educação', SOPCOM
quarta-feira, fevereiro 01, 2012
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