Por Eduardo Jorge Madureira
Desenvolvida
pelo médico português António Egas Moniz, a lobotomia, que, segundo refere a
Wikipédia, se deve, mais apropriadamente, chamar leucotomia, é uma intervenção
cirúrgica no cérebro, tendo sido a primeira técnica de Psicocirurgia. O
procedimento, esclarece ainda a Wikipédia, conduz os pacientes a um estado algo
sedado de baixa reactividade emocional.
A
Wikipédia garante que a lobotomia, tal como António Egas Moniz a praticou, já
não se usa devido aos seus efeitos secundários severos. Quem, todavia, observa
determinados programas televisivos não pode estar certo de que tenham, de
facto, terminado os procedimentos que conduzem a “um estado algo sedado de
baixa reactividade emocional dos pacientes” telespectadores.
Em vez do
Lobotomobile, usado, outrora, nos Estados Unidos da América pelo
cirurgião Walter Freeman, que percorria todo o país, aplicando uma variante da
lobotomia que, garante a Wikipédia, consistia em espetar um picador de gelo
directamente no crânio do doente num ponto imediatamente acima do canal
lacrimal com a ajuda de um martelo, que, a seguir, se rodava para destruir as
vias aí localizadas, são certos programas televisivos que se encarregam de
praticar a intervenção lobotómica. Em vez de um Walter Freeman, temos uma
Teresa Guilherme a intervir nos cérebros, não com picadores de gelo, mas com as
mandíbulas.
Ao que
parece, o negócio do programa que a senhora conduz, “Secret Story” ou “Casa dos
Segredos”, faz-se à custa de segredos. Os concorrentes têm, cada um, o seu
para guardar e os dos outros para desvendar. Ganha o reality show quem for mais bem sucedido nesse intento. Cada
concorrente dispõe de dez mil euros. Se achar que sabe qual é o segredo de
outro concorrente, dirige-se a um sítio designado por “confessionário” e
revela-o. Se o denunciador acertar, fica com todo o dinheiro do denunciado; se
perder, o denunciado ganha o dinheiro do denunciador. A acreditar no que se lê
na imprensa e se o site do programa
não mente, há um concorrente que se apresentou dizendo ter um segredo invulgar:
“Matei um homem”.
A
estupidez está de tal modo entranhada no planeta televisivo que não há voz que
se ouça a reclamar contra o gesto indigno e imbecil de quem resolveu
candidatar-se a ganhar dinheiro graças à circunstância de ter causado a morte
de uma pessoa, pouco importando para o caso se voluntaria ou involuntariamente.
Um
programa que usa como isco o segredo de uma criatura que diz: “Matei um homem”
não seria emitido por um canal televisivo decente. E se fosse, seria a decência
dos telespectadores a dizer que um programa assim não deveria ser visto, o que,
evidentemente, ditaria o seu fim rápido. Mas a decência, sempre abundante nas
conversas, é escassa nos gestos, razão por que o programa tem sido dos mais
vistos da televisão portuguesa (o mais visto na maior parte dos dias da semana
que finda).
Embora em
outros países – em Espanha, por exemplo – haja programas televisivos muito
piores do que os que se podem ver nas televisões generalistas portugueses, há
momentos em que a apatia generalizada dos telespectadores se interrompe. Na
terça-feira, o diário espanhol El País
noticiava que o El Corte Inglés tinha retirado a publicidade nos intervalos de
um programa televisivo, intitulado La Noria , pelo facto de, no dia 29 de Outubro, este ter
apresentado uma entrevista paga à mãe de um rapaz envolvido no assassinato de
uma adolescente de 17 anos, ocorrido em 2009, em
Sevilha. Esta presença televisiva suscitou a irritação de milhares de pessoas, que
assinaram uma petição para que as marcas “retirem a sua publicidade de
programas que pagam a familiares de criminosos”. O pedido foi escutado por
diversas empresas mais ou menos conhecidas, como, por exemplo, a Bayer, a
Bimbo, a Campofrío, a Nestlé, a Panrico, a President, a Puleva e, na semana que
passou, o El Corte Inglês, que deixaram de querer que a sua publicidade
aparecesse nos intervalos do programa do canal Telecinco.
A decisão
das marcas, que não querem, nem podem desagradar aos potenciais consumidores, além
de ter um efeito publicitário simpático, pois, como notava alguém citado pelo El País, fazem “uma campanha de imagem
que lhes sai de borla”, provocou um enorme prejuízo ao canal televisivo
espanhol. O que é bom. E quanto mais elevado for o dano, mais rapidamente o
canal aprenderá que a falta de decência pode servir para aumentar as
audiências, mas pode também causar um significativo rombo financeiro. Muito se
ganharia se este tipo de aprendizagem também fosse proporcionado aos canais
televisivos quando eles apostam na lobotomização dos telespectadores.
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