segunda-feira, novembro 14, 2011

Por uma "Agenda da Criança" não amputada e redutora


O Governo vai lançar, no primeiro trimestre de 2012, a “Agenda da Criança”, uma iniciativa que pretende "envolver as instituições e a sociedade civil". O anúncio foi hoje feito pelo secretário de Estado da Segurança Social, Marco António Costa.
A intenção é criar um espaço transversal aos serviços e instituições de cuidados das crianças, que as coloque "no centro das preocupações". Tratará de temas como o abandono escolar, a violência contra as crianças, maus tratos e abandono e as situações de crianças e jovens em risco.
A iniciativa é certamente merecedora de aplauso, ainda que mereça algumas considerações que entendemos relevantes. A menos que o projecto esteja já fechado, seria bom ter em conta o seguinte:
  1. Se se pretende defender e promover os direitos das crianças, matéria a que o Estado português está obrigado, enquanto subscritor da Convenção respectiva, no âmbito da ONU, deve ter em conta que esses direitos não são apenas de protecção (face a ameaças e riscos) ou de provisão (de bens e recursos que lhes criem condições de serem pessoas felizes), mas também de participação (ou seja, que lhes abram perspectivas e as capacitem enquanto cidadãos, membros activos da sociedade - vd. art. 12º a 17º). Relativamente a esta última 'família' de direitos, a Convenção é clara, ao reconhecer às crianças não apenas o papel de objecto das atenções dos adultos, mas também o de sujeitos; e, por conseguinte, devendo ser ouvidas nas matérias que lhes dizem respeito e devendo ter a liberdade de expressão dos seus pontos de vista, de acordo com as suas capacidades. 
  2. Sendo a iniciativa do âmbito da Segurança Social, será vantajoso que quem vier a implementar a referida "Agenda da Criança" (curiosamente, já existe um site com essa designação), procure fazer pontes com instituições da sociedade civil envolvidas não apenas nas importantes tarefas da protecção e da provisão, mas também com instituições relacionadas (e preocupadas) com a participação e a expressão dos mais pequenos. Neste contexto, é fundamental, do nosso ponto de vista, o desenvolvimento de parcerias com os meios de comunicação social e com iniciativas e espaços no âmbito da Internet e das redes sociais, com vista a promover essa perspectiva integrada e aberta dos direitos da infância. 
  3. Uma "Agenda da Criança", sim, certamente. Mas que faça das crianças sujeitos cada vez mais responsaveis e autónomos do seu devir e não apenas objecto daquilo que os adultos entendem que elas precisam. Uma coisa não é incompatível com a outra. Mas nós tendemos, pela força da inércia cultural, a olhar para um lado e a esquecer o outro.

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