terça-feira, maio 18, 2004

O provedor dos leitores e a educação para os media

O novo provedor do DN, José Carlos Abrantes,trata, na sua coluna semanal, intitulada, desta vez, Interrogar o mundo a partir dos media da relação entre a função que exerce e a educação para os media. Deixo uma parte:

"Um acaso levou-me a Belfast no fim da semana passada, transferindo assim a reflexão sobre os media dos EUA para a Europa.
Transferência que não foi apenas geográfica mas também de mudança de perspectiva. De facto agora na Irlanda os mais de 200 congressistas reflectiram sobre educação para os media na Europa, domínio que é uma abordagem crítica da comunicação social e também uma oportunidade de interrogar o mundo em que vivemos a partir das representações que nos são fornecidas ou que construímos. Esta abordagem pode ser feita nas escolas como noutros lugares institucionais, ser feita com crianças, com jovens ou com cidadãos de todas as idades. Terá o papel do provedor dos leitores alguma coisa a ver com esta perspectiva de aprofundar, como competência dos cidadãos, um conhecimento crítico sobre os media? Julgo que sim.
O provedor exerce uma função que se situa entre os leitores e os jornalistas e entre estes e os leitores. Podemos pensar que, por vezes, será necessário explicar aos leitores como funciona a construção das notícias. Esse trabalho de explicação das rotinas jornalísticas cabe no papel do provedor, e pode classificar-se como integrado na educação para os media. Alguns exemplos: quais as rotinas tecnológicas e humanas que trazem, cada dia, cada hora, informações à redacção? Ou: como se decide o conteúdo do jornal do dia seguinte?
Da correspondência que tenho recebido verifico também que o papel do provedor é por vezes compreendido de uma forma demasiado extensiva, desejando algumas vezes os leitores que o provedor se pronuncie sobre matérias que não lhe estão atribuídas (como as colunas de opinião, a vigilância sobre a publicidade ou os produtos que são distribuídos ou postos à venda em conjunto com o jornal), solicitando, outras vezes, intervenções que não pode fazer, pois estas cabem nas competências do director, como a publicação de cartas do leitor na Tribuna Livre.
Outro aspecto será seguramente a interrogação sobre as escolhas narrativas, éticas e deontológicas feitas pelos autores de notícias. Desde que pelas interrogações e posições dos leitores, pelos comentários dos jornalistas ou pelas observações do provedor se entenda que a informação é uma realidade construída, uma narrativa não ficcional, teremos seguramente aberto um caminho de reflexão que interessa aos cidadãos em geral e aos educadores, em especial.
Uma última dimensão tem a ver com a própria integração do pensamento dos leitores na construção diária do jornal. Um jornal traduz-se em múltiplas relações (director/jornalistas, jornalistas-fontes?). Há também a relação jornal/leitores, relação fundadora da existência e continuidade do jornal. Trazer o mundo dos leitores para a vida quotidiana do jornal é seguramente uma mais-valia de qualquer publicação que decide ter um provedor. Didier Epelbaum (ex-provedor de France 2) lembrou-me recentemente, numa conversa, que Benjamin Bradley, chefe de redacção do Washington Post ao tempo do caso Watergate, teria afirmado que os jornalistas são provavelmente mais inteligentes que grande parte do público. Mas, dizia Bradley, há uma parte do público que é tão inteligente como os jornalistas e uma outra parte será, seguramente, mais inteligente que os jornalistas. É um privilégio da profissão de jornalista poder assim conviver com diferentes capacidades e poder aproveitar o que de melhor há na sociedade, mais concretamente nos seus leitores, para, quando é preciso, corrigir o tiro ou mesmo evitá-lo. E esta dimensão do outro é uma dimensão da educação para os media, arriscaria mesmo, de toda a educação. Viver com o outro, viver com os outros é prova de maturidade cívica, também de excelência profissional neste caso."



COMPETÊNCIAS DO PROVEDOR DOS LEITORES
Compete ao provedor dos leitores:
- Analisar as reclamações, dúvidas e sugestões formuladas por escrito pelos leitores.
- Proceder à crítica regular do jornal, com base nas regras éticas e deontológicas do jornalismo.
- Analisar e criticar aspectos do funcionamento e do discurso dos media que se possam repercutir nas reclamações com os respectivos destinatários.

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