Eis o texto da tomada de posição do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho a propósito das medidas que o Governo pretende tomar para o Serviço Público de Televisão e Rádio e no âmbito do debate público que se tem gerado em torno desta matéria:
"O recente debate sobre o futuro do Serviço Público de rádio e televisão, independentemente da forma como foi colocado, é urgente e indispensável. Neste contexto, o Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, que há mais de uma década publica obra sobre o tema, entende apresentar este contributo que sucintamente exprime uma reflexão colectiva sobre a matéria.
Historicamente, o Serviço Público de rádio e de televisão tem sido gerido pelo Estado em função de interesses políticos imediatos. Em momentos cruciais, essa gestão fez-se totalmente à margem de qualquer sentido de interesse público ou valor público. Nada indicia que, no presente, esta linha de atuação seja diferente. Esta lógica de funcionamento tornou-se particularmente evidente quando, por exemplo, se aboliu a taxa de televisão e quando se entregou a uma empresa por um valor simbólico a rede de transmissão da RTP e, em tempos mais próximos, quando se cedeu aos interesses privados no processo de implementação da TDT. Importa salientar este traço histórico porque ajuda a explicar, em larga medida, a situação atual do Serviço Público e a imagem que dele fazemos enquanto bem comum.
Os intensos debates em curso na maioria das sociedades democráticas sobre os serviços públicos de média, sobretudo em tempos de acelerada mudança tecnológica, parecem centrar-se em torno de algumas questões-chave: disponibilização de conteúdos de qualidade e diversificados, tanto em termos temáticos como de género; reforço dos mecanismos de independência face aos poderes políticos e financeiros; desenvolvimento de modalidades de prestação de contas à comunidade e aumento da eficiência financeira das entidades que prestam este serviço público. Essencialmente, procura-se manter viva a consciência de que o serviço deve ser universal no acesso e que não faz sentido sem uma cultura de funcionamento que entenda as audiências como cidadãos e não como consumidores.
Na esmagadora maioria dos casos, estas discussões presumem que a prestação de serviço esteja a cargo de uma entidade específica, com regras de funcionamento que a distingam dos operadores comerciais, que seja regulada pelo Estado e acompanhada pelos cidadãos. Um Serviço Público de média funciona assim como espaço agregador da sociedade, como instituição que alarga garantias cívicas de acesso, de diversidade, de pluralidade.
No atual contexto de crise económica grave, o caminho para o Serviço Público de média em Portugal passa, em primeiro lugar, pela discussão sobre como melhorar e qualificar o serviço público que (não) temos. Este serviço tem um papel específico a desempenhar na superação da crise, quer no plano interno, quer junto das comunidades emigrantes e no espaço da lusofonia. Deverá ser repensado considerando propostas de desempenho diferenciador em áreas como os espaços não demagógicos de participação dos cidadãos, a educação para os media ou formação crítica dos telespectadores, a programação criteriosa para a infância e os públicos mais jovens, a cultura portuguesa e as expressões culturais do espaço lusófono, a informação e a formação para a ciência e a investigação.
É precisamente agora que se abre uma clara oportunidade para enveredar por um Serviço Público de média, gerido com independência e rigor, produzindo conteúdos de excelência e disponível em acesso aberto. O caminho da redução de custos foi trilhado com sucesso nos últimos anos; importaria agora trilhar esse outro que é o do aprofundamento do valor do serviço para os cidadãos, nomeadamente trazendo à consideração a presença noutras plataformas para além do universo audiovisual tradicional e envolvendo a empresa na discussão do chamado dividendo digital.
Acreditamos que, independentemente dos canais existentes ou a existir, este é também o caminho mais apropriado para Portugal – a disponibilização, tendencialmente em plataformas de sinal aberto, de um fluxo de conteúdos alargado e diversificado, produzidos por uma entidade pública, respeitando um caderno de encargos prévio e objetivos financeiros claros. Entendemos, nesta linha de salvaguarda do cumprimento efetivo desses compromissos, que devem ser instituídos processos periódicos de avaliação, quantitativa e qualitativa, da prestação das partes envolvidas, a desenvolver e publicitar pelas instituições científicas com competência para o efeito.
O Serviço Público de média não pode e não deve ser dividido em parcelas, não pode e não deve ser concessionado a uma entidade privada (com interesses legítimos, mas fundamentalmente distintos dos do Estado) e não pode e não deve ser vendido à melhor oferta. O Serviço Público de média é, em simultâneo, sinal de vitalidade e garante da democracia. É parte inteira do que somos, enquanto comunidade de interesses partilhados. Vendê-lo, concessioná-lo ou retalhá-lo são opções que servem apenas interesses de gestão política do instante. Qualquer delas contribui, de forma substantiva, para um empobrecimento real do que somos e para um diminuição da confiança dos cidadãos num Estado que serve."
terça-feira, setembro 11, 2012
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