A luta que a Associação Portuguesa de Direito do Consumo (APDC) e, particularmente, o Dr. Paulo Morais vêm travando, nos últimos tempos, fazendo lobby para que seja proibida a publicidade dirigida a crianças até 12 anos dá ênfase a uma matéria importante. Mas é, no meu modo de ver, bem o exemplo de como, no nosso país frequentemente se tenta resolver os problemas, transpondo-os para o terreno das leis e do Direito.
Devo dizer que tenho a maior consideração por Paulo Morais e que esta nota crítica nada mais pretende senão contribuir para um debate que julgo necessário, mas que está a ser mal conduzido e é mesmo susceptível de reforçar a situação em que nos encontramos, em vez de contribuir para a sua melhoria.
Em primeiro lugar, nós já temos um código da publicidade com matérias que vão de encontro a preocupações da APDC. Por exemplo, quando proíbe publicidade que:
"(...) encoraje comportamentos prejudiciais à saúde e segurança do consumidor, nomeadamente por deficiente informação acerca da perigosidade do produto ou da especial susceptibilidade da verificação de acidentes em resultado da utilização que lhe é própria". Preconiza, por outro lado que "a publicidade não deve comportar qualquer apresentação visual ou descrição de situações onde a segurança não seja respeitada, salvo justificação de ordem pedagógica". E explicita que o disposto nestes pontos deve ser particularmente acautelado no caso da publicidade especialmente dirigida a crianças (...)".
O mesmo Código cria uma barreira a anúncios que incitem "directamente os menores, explorando a sua inexperiência ou credulidade, a adquirir um determinado bem ou serviço" ou "a persuadirem os seus pais ou terceiros a comprarem
os produtos ou serviços em questão". Não podem, por outro lado "conter elementos susceptíveis de fazerem perigar a sua integridade física ou moral, designadamente pelo incitamento à violência" nem "explorar a confiança especial que os menores depositam nos seus pais, tutores ou professores".
No plano das leis, teríamos logo aqui todo um programa de acção que poderia levar a APDC a pressionar os anunciantes, as agências, os media e o regulador da comunicação social a serem estritos no cumprimento da lei. E já não faltaria que fazer.
Ao optar por uma medida radical - acabar pura e simplesmente com a publicidade para crianças a APDC define, a meu ver, um alvo errado. Desde logo, porque, num tempo de crise, de que os media se ressentem fortemente, é pouco provável que alguém com peso decisório (Governo, partidos...) assuma e 'compre' uma guerra com os media e com os grandes grupos que são os maiores anunciantes. Depois, porque este combate por uma causa inquestionavelmente generosa, parece esquecer que o panorama mediático se alterou radicalmente na última década e que a publicidade conhece hoje modalidades e segue caminhos que tornam utópico proibi-la a quem quer que seja ou proibi-la até uma certa idade deixando-a existir para idades subsequentes.
Se não fosse mais, eu tenderia a lamentar que, com base em preocupações que eu pessoalmente partilho, as energias que têm sido canalizadas para uma luta condenada ao insucesso, não sejam dirigidas para a reivindicação da formação de todas as crianças para atitudes e práticas críticas face à publicidade e face aos media através dos quais aquela circula.
Acabar com a publicidade na lei pode tranquilizar os pais e os educadores, mas não os responsabiliza naquilo que é fundamental: o seu papel e o seu dever de acompanhar, estar presentes, ajudar a ler o mundo, enfrentar as lógicas consumistas, resistir às estratégias do marketing, tirando até partido do engenho e da arte de que os publicitários inquestionavelmente dão mostras.
Exigir o escrupuloso cumprimento daquilo que a lei já preconiza relativamente à publicidade e investir seriamente numa literacia mediática e digital que não se reduza ao uso de tecnologias mas que seja uma educação para a compreensão do mundo, para a cidadania activa e crítica - eis o que é necessário e urgente. Mas também devo dizer que não me parece que seja nesse sentido que sopram hoje os ventos, entre nós. Por maioria de razão fazem falta, por isso, movimentos cívicos de alerta e de lobby. Desejavelmente com o contributo de instituições como a Associação Portuguesa de Direito do Consumo,cuja acção é sem dúvida fundamenta.
quarta-feira, abril 04, 2012
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