O Jornal de Notícias toma hoje uma iniciativa que merece aplauso, a propósito do acto de indisciplina na Escola Secundária Carolina Michaëlis, do Porto, protagonizado por uma aluna e pela professora e filmado e disponibilizado no YouTube por um colega da turma.
O JN juntou na sua Redacção alunos e professores para debater o caso. O resultado é a peça "Episódio foi infeliz mas é a excepção", assinada pela jornalista Helena Teixeira da Silva. Destacamos as partes relativas à relação dos alunos com esse gadget que, como está visto, se tornou em muito mais do que um objecto técnico:
No mesmo jornal, ler, igualmente sobre este assunto, da autoria de Alice Vieira,A geração do ecrã."Chocou-me a impassividade da turma, a falta de solidariedade e de valores daqueles que serão os cidadãos de amanhã", confessa Manuel da Costa, professor de Educação Visual e Tecnológica na Escola Sá de Miranda, no Porto, acrescentando que, surante muito tempo, questionou-se se "o uso do telemóvel seria um desafio à autoridade até perceber que os alunos o vêem como uma espécie de prolongamento da sua individualidade". De qualquer forma, admite que, com a mediatização do caso, o sentimento foi o de ver "a classe vilipendiada".
É na extensão da "humilhação" que Sandra Bugalho, professora de Ciências há sete anos, coloca também a ênfase. "Há um aluno que teve a frieza de filmar uma situação com a qual deveria ter sido solidário, e publicá-la. O problema novo é estender a humilhação a que sujeitaram a docente a toda a comunidade".Manuela Matos Monteiro tem reservas em relação à consciência das implicações na divulgação do vídeo: "A relação que os alunos fazem entre público e privado é completamente diferente da nossa. Para eles, tudo é passível de ser colocado no Youtube".
Aliás, para esta professora, as novas tecnologias servem para explicar algumas das mutações sociais mais importantes das últimas décadas, nomeadamente na relação professor-aluno. "Somos a geração de adultos - pais, professores, educadores - que, pela primeira vez, na história da humanidade, temos alunos e filhos que dominam uma área com uma competência que nós jamais teremos. Eles aprenderam sozinhos, e com prazer, a socializar num novo mundo no qual nós tentamos entrar, mas com esforço". Isso fragiliza o papel do professor? "Obviamente", responde.
Manuel da Costa concorda, mas ressalva que "a tecnologia dá informação, mas não dá conhecimento". E Teresa Pinto de Almeida vai ainda mais longe: "Não fornece os princípios e valores cívicos que é suposto um aluno ter".
Com alguma relutância em focalizarem o discurso no episódio concreto, é Manuela Matos Monteiro quem, como a própria disse, acaba por aceitar "comprometer-se", ajuizando, sem querer ajuízar, o comportamento da professora da Carolina Michaelis, uma vez que o da aluna - é consensual - não levanta qualquer dúvida.
"Não se chega àquela situação sem que haja uma história por trás. A colega deveria ter chamado um funcionário e participar a situação. A aproximação corpo-a-acorpo é perigosíssima. Não pode nunca chegar-se aí". Nem aí, nem ao ponto de um professor achar que "é tão bom que pode ser amigo do aluno". Não pode, reforçam todos.
"O professor - e isto é inegociável - é sempre o comandante do barco", atesta Manuel da Costa, confessando que, "durante muito tempo tentou perceber se o uso do telemóvel era um desafio à autoridade, até perceber que o aparelho é uma espécie de prolongamento da individualidade de cada um". Algo que tenta respeitar com "bom senso", mas sem deixar de apontar - nesta como na globalidade das questões- o dedo à ausência dos pais. "Demitiram-se da função".
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Não esquecendo o objecto que deu origem ao conflito, o telemóvel é, ou não, afinal, imprescindível numa sala de aula? Ninguém o defende incondicionalmente, a não ser, talvez, João Reis. "Todos os alunos que conheço têm telemóvel - tem mesmo que ser", vinca a importância do aparelho.
"Ninguém o usa para humilhar os professores, nem o deposita em cima da secretária. Mas está no bolso, sempre pronto a ser usado". Pronto-pronto, como numa emergência? "Sim". E o que é uma emergência? "Pode ser só uma pessoa de família, grávida, prestes a dar-nos um sobrinho", sorri. E a boa-nova não pode esperar até ao fim da aula? Resposta definitiva: "Não. Hoje, cada minuto é para ser vivido aqui e agora".