A dimensão sócio-económica da literacia mediática
Manuel Pinto
in Media XXI, nº 81, Maio-Julho de 2005
A educação para os media em Portugal está de boa saúde? Está doente? Não existe? Quem o poderá dizer?
Para ensaiar uma resposta, precisamos, primeiro, de nos entender sobre o conceito de "educação para os media". Se por tal noção significarmos o conjunto de esforços, de projectos e de iniciativas no sentido de promover o acesso e o uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC) no ensino, o panorama não será brilhante, mas traduz-se em algo de consistente e visível.
Mas eu entendo que isso não é educação para os media. Na melhor das hipóteses, pode ser um requisito ou um factor de potenciação. Mas não chega necessariamente a formular e a responder a perguntas como estas: TIC para quê? Que contributos dão na formação das novas gerações, capacitando-as a viver num "oceano informativo" cada vez mais caudaloso e gerador de perplexidade? Como ajudam a comunicar melhor? Ou a compreender o papel e o impacto dos media - novos e clássicos - na sociedade e na vida individual?
Se quisermos ser rigorosos, deveríamos concluir que não parecem ser essas as preocupações dominantes dos discursos e das políticas que têm vigorado nos últimos anos em Portugal. Sintomático disso foi a extinção, em 2002, do Instituto de Inovação Educacional, um departamento central do Ministério da Educação, que vinha desenvolvendo há vários anos, um trabalho humilde, mas sério e consistente de apoio às escolas com projectos neste terreno.
Existe hoje, no panorama internacional, um consenso alargado em torno do conceito de educação para os media. Pode definir-se como o desenvolvimento da capacidade de aceder à informação e enriquecer a comunicação num leque variado de suportes e de contextos, compreendendo o fenómeno cultural das comunicações e progredindo na criação de formas autónomas de expressão e comunicação individual e de grupo.
O quotidiano das crianças e dos jovens é, desde o início, povoado e marcado pelo crescimento num "ecossistema informativo" de que os suportes tecnológicos são uma dimensão relevante: a par da televisão, com um papel que continua a ser central, não se pode esquecer a centralidade dos jogos vídeo e electrónicos, dos chats e "mensageiros", da música nos seus vários suportes e formas de circulação e reprodução. Neste quadro, seria trágico que a educação escolar se mantivesse ostensivamente alheia a este universo de experiências ou se acantonasse numa performatividade tecnológica que não toma o mundo real dos mais novos como centro de referência.
Deste ponto de vista, o panorama em Portugal não será catastrófico, mas é, seguramente, pobre. Algum trabalho sistemático de educação para os media, no nosso país, deve-se à boa vontade de meia dúzia de professores e de responsáveis de escolas básicas e secundárias. De realçar também a atenção que algumas instituições de ensino superior vêm dando ao assunto, nomeadamente na Universidade do Minho (com um mestrado de Comunicação, Cidadania e Educação) e do Algarve e algumas escolas superiores de Educação. À parte algumas iniciativas pontuais e localizadas de associações e empresas privadas, o projecto mais consistente que se pode inscrever no espírito da educação para os media é o "Público na escola", do jornal Público, no terreno desde finais de 1989. O seu concurso anual de jornais escolares (impressos e electrónicos), o seu boletim informativo mensal, os seus dossiers e materiais pedagógicos deram-lhe um lugar de destaque solitário neste campo.
A literacia mediática e digital é, nos nossos dias, uma componente imprescindível da literacia geral. O investimento neste âmbito reveste-se de carácter estratégico, com implicações não apenas sociais e culturais, mas também económicas. Aos governos cabe um papel de incentivo e de apoio insubstituível. Mas se não contar com a iniciativa articulada de instituições diversas (educativas, sócio-profissionais, empresariais, religiosas, culturais?) não sairemos do ponto onde estamos.
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