terça-feira, julho 01, 2003

Texto integral do documento hoje enviado aos grupos parlamentares pelos estudantes do Cuirso de Mestrado em Ciências da Comunicação - área de especialização em Comunicação, Cidadania e Educação:

Proposta da Lei de Bases da Educação - O porquê de uma Educação para os Media.

Ex.mos Senhores,

Somos Estudantes do Curso de Mestrado em Ciências da Comunicação - Área de Especialização em Comunicação Cidadania e Educação, cujo objectivo é o estudo aprofundado dos fenómenos comunicacionais no contexto das sociedades actuais. A presente área de especialização foca em especial os cruzamentos e interacções entre os universos dos media e da comunicação por um lado, e da educação e da escola, por outro. Dirigimo-nos a V.Ex.as num momento em que a discussão da Lei de Bases do Ensino está na praça pública e após uma leitura atenta da proposta apresentada pelo Governo e dos projectos do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda, constatámos a ausência da preocupação por uma Educação para os Media.

Numa primeira introdução gostaríamos de recordar que o contexto e as condições do exercício da cidadania alteraram-se significativamente nas últimas décadas, muito particularmente a partir dos anos 90. Perante uma crescente multiplicação da informação disponível e da expansão das indústrias do entretenimento, quer por via dos media tradicionais, quer dos novos media, novas competências são exigidas aos indivíduos e aos grupos sociais. Neste contexto, a formação escolar, mas também outras modalidades e instâncias de formação mais informais podem desempenhar um papel decisivo de preparação para a vida.

A capacidade de análise do fenómeno da mediatização social e a participação activa e crítica na vida social configurada pela 'sociedade da informação' pressupõe uma consciência esclarecida de que os 'textos' e os 'ecrãs' a que se tem acesso são realidades socialmente construídas, que abrem para um vasto campo a montante (as empresas, os profissionais, as tecnologias, o mercado, as políticas de comunicação...) e para um outro igualmente vasto campo a jusante (as audiências, os usos socialmente diferenciados, os contextos e modalidades de recepção e de apropriação, a estruturação das práticas mediáticas em estilos de vida...).

Na linha de uma diversificada experiência desenvolvida num grande número de países e estimulada por diversas organizações internacionais como a UNESCO ou o Conselho da Europa, entende-se que o exercício da cidadania exige e supõe a 'educação para os media' ou, talvez melhor ainda, a educação para a comunicação. Não apenas ou necessariamente orientada para a formação de consumidores mais críticos, mas também de pessoas capazes de produzir informação e de comunicarem com os seus semelhantes de modo eficiente e significativo.

Pensamos igualmente que será escusado relembrar que este é um tempo sociocultural em que as imagens assumem um lugar de destaque, mais do que os objectos. E assumem-no não só no plano dos media como no ensejo geral da de visualização do real. Assim, pensar a imagem é, em primeiro lugar, reconhecê-la como objecto inteligível; e realçar a importância dessa reflexão é, em segundo lugar, estar convicto do poder que ela detém sobre a nossa cultura, a nossa mundividência, a nossa inserção na realidade, as nossas fantasias, os nossos distúrbios e as nossas utopias. Particularmente, do poder que a imagem detém sobre o domínio educativo.

Uma alfabetização sobre a cultura das imagens e sobre os media em geral, quer se faça em termos semióticos, psicológicos ou sociológicos, é uma das mais importantes temáticas da Educação para os Media e abordá-la é ir ao encontro de uma necessidade que cada vez mais se configura como essencial: a da alfabetização visual dos cidadãos.

É assim, com base nestes pressupostos e aproveitando a discussão da Lei de Bases da Educação, que avançamos com a nossa sugestão de inclusão da Educação para os Media nos programas curriculares, explicando o porquê; os objectivos; e as modalidades que esta pode assumir:


O porquê de uma Educação para os Media:


Justificação:

- As mudanças ocorridas nas últimas décadas nos diferentes campos da Comunicação e da Educação;

- A centralidade dos media na vida quotidiana dos indivíduos e na vida social, de que é expressão um elevado consumo mediático, nomeadamente entre as crianças;

- A influência dos media em especial em segmentos populacionais mais vulneráveis e os riscos de comportamentos anti-sociais enunciados por diferentes actores sociais;

- A necessidade de formação de competências para a Sociedade da Informação e do Conhecimento, nomeadamente para procurar, aceder, seleccionar e aplicar informação pertinente, com critérios éticos;

- A relevância, na educação para a cidadania, da formação de um público crítico capaz de exigir uma produção mediática com mais qualidade;


Objectivos:

- Promover a comunicação na Escola;

- Desenvolver competências comunicacionais;

- Desenvolver competências de expressão e criatividade;

- Enriquecer o ensino das disciplinas recorrendo a conteúdos mediáticos ligados às Artes, Ambiente e Outros;

- Aproximar os Media e a Escola;

- Desenvolver a inteligência crítica;

- Promover a participação social;

- Fomentar a compreensão dos grandes acontecimentos da actualidade;

- Desmistificar e compreender a lógica de funcionamento dos Media;

- Promover a formação ao longo da vida;


Modalidades:

- Uma componente de formação transversal a todos os conteúdos programáticos, devidamente definida e avaliada;

- Integrar especificamente o conteúdo programático da disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social e da disciplina de Formação Cívica;

- Integrar os programas de Educação para Adultos.


Assim, é nosso entender que a Educação para os Media ou para a Comunicação constitui hoje uma área fundamental à promoção de uma cidadania esclarecida e interveniente. Por isso nos parece ser nosso dever dar um contributo, enquanto mestrandos e cidadãos, apresentando algumas sugestões para discussão na nova Lei de Bases da Educação, sobretudo as que se prendem com a inclusão da Educação para os Media ou da Educação para a Comunicação nos objectivos gerais e sectoriais e nos programas curriculares.

Para concluir, nada melhor que recordar as palavras do nosso Director de Mestrado, Professor Doutor Manuel Pinto: «...a escola, que no tempo das civilizações orais ensinou a falar e a escutar, e que nas civilizações escritas ensinou a ler e a escrever, não deveria hoje ensinar a ver e a mostrar?»

Deixamos o assunto à vossa consideração,

Braga, 1 de Julho de 2003

Os Alunos do Mestrado em Ciências da Comunicação,
Especialização Comunicação Cidadania e Educação
Universidade do Minho

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