Deixo aqui a crónica que escrevi para o Diário do Minho de hoje:
A história de Daniel
Quando eclodiu a Guerra do Golfo motivada pela invasão do Koweit, houve um episódio passado numa escola de Braga, que vale a pena recordar.
As televisões que então havia - o cabo era inexistente e os canais privados estavam ainda para chegar - davam-nos “guerra” de manhã até à noite. Surgiam as informações e boatos mais estranhos, uma vez que, como temos visto à evidência nos tempos mais recentes, “as notícias também são armas de guerra” (Paolo Fabbri, “ABC, 27.2.2003). Uma das atoardas que os media difundiram foi a eventualidade de os árabes, em solidariedade com o Iraque, instalarem mísseis ao longo do Norte de África, capazes de atingir a Europa e, por conseguinte, Portugal.
Daniel era, então, um miúdo que passava, sozinho em casa, muitas das horas extra-escolares a ver televisão. Ia ouvindo e meditando no que ouvia. Esperto como era, percebeu que, um belo dia, quando estivesse tranquilamente a ver televisão, lhe poderia cair um desses mísseis destruidores por cima do telhado. Começou a ficar inquieto e decidiu levar a inquietação para o lugar que lhe pareceu mais óbvio: a sala de aula (até porque as possibilidades de esclarecer o assunto com os pais não eram por aí além).
A professora que, tal como muita outra gente, andava cansada da guerra, não reagiu bem à proposta de esclarecimento que Daniel lhe apresentou. E com toda a espontaneidade explicou à turma que não seria bom que o assunto da guerra viesse também para a escola. Andavam já todos tão saturados de (ouvir falar de) guerra, que, ao menos naquela sala, haveria de haver um discurso e um clima de paz.
As crónicas da memória nada rezam sobre a reacção do miúdo, até porque a história foi contada, com a maior naturalidade e candura, pela professora. Provavelmente ficou silencioso, remoendo a sua inquietação. Mas naquele desvelo da docente, a mensagem enviada ao miúdo e à turma foi a de que aquilo que era importante para o comum dos mortais e fazia o mundo andar preocupado e em rebuliço não tinha lugar na escola e não cabia no universo das aprendizagens da sala de aula.
Para bom entendedor...
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