Por Eduardo Jorge Madureira
O que faz uma mãe quando o filho lhe apresenta, informalmente, uma espécie de testamento vital é o tema de um breve relato, que circula, em diversas línguas, através da Internet, sem atribuição de autor. A história é protagonizada por dois amigos. Um deles relata o que se tinha passado no dia anterior:
– Ontem à noite, depois do jantar, antes de sair, eu a minha mãe estávamos sentados no sofá a conversar sobre coisas da vida. Eu sei que sou um rapaz novo, mas, a propósito de uma reportagem que estávamos a ver na televisão, quis também falar sobre a morte. Então, disse à minha mãe: “Mãe, nunca me deixes viver num estado vegetativo, dependendo de máquinas, vivendo uma vida artificial. Se me vires nesse estado, e por muito que te custe, pede para desligar ou desliga tu as máquinas que me mantêm vivo”.
O outro decide interromper para fazer a pergunta óbvia:
– E a tua mãe?
A resposta não deixou de surpreender:
– Levantou-se, decidida, e foi desligar a televisão, o DVD, o computador, o cabo da Internet, o MP4 e o telefone fixo. A seguir, tirou-me e desligou o iPhone5, o tablet e a PlaySta¬tion.
É difícil não recordar esta história ao ler um título que se encontrava na primeira página do Jornal de Notícias de segunda-feira, dizendo que “17% das nossas crianças não comem nem dormem para estarem na Internet”. A notícia dava conta dos mais recentes resultados apurados pelo projecto europeu EU Kids Online, que, segundo o jornal, indicam que “o uso prolongado da Internet já se reflectiu em 45% das crianças portuguesas com um dos seguintes sintomas: não dormir, não comer, falhar nos trabalhos de casa, deixar de socializar, tentar passar menos tempo online”. Na Europa, acrescentava a informação, “só a Estónia está à frente: 49%. A existência de dois sinais – ter deixado de comer ou dormir para estar ao computador – foi apontada por 17% dos inquiridos”.
Esta notícia surge na mesma altura em que cinquenta especialistas franceses em psicologia lançaram um apelo para que se tome consciência dos riscos associados ao abuso dos ecrãs e para que se estabeleçam regras de bom uso das novas tecnologias, um código de boa conduta da vida digital. “Nós, especialistas em psicologia, em comportamentos e relações humanas, apelamos, hoje, a que cada um seja prudente e vigilante face a utilização excessiva dos ecrãs”, refere o texto, publicado no número de Fevereiro da revista Psychologies.
Os subscritores, alguns dos quais autores de livros editados em Portugal, como é o caso de, por exemplo, Christophe André (Os segredos dos psis. Carnaxide: Objectiva, 2012) ou Isabelle Filliozat (No coração das emoções das crianças. Lisboa: Pergaminho, 2001), começam por recordar o óbvio, dizendo que “os computadores, smartphones e tablets representam um formidável progresso. Facilitam o acesso ao conhecimento e multiplicam as possibilidades de trocas, interacções e cooperações”. O problema, acrescentam, é que “deixando-os invadir o nosso quotidiano, sem nos interrogarmos sobre os seus inconvenientes, sem reparar na sua utilidade real, concedemos a estas tecnologias um poder preocupante sobre as nossas vidas”. É por isso que garantem que “uma tomada de consciência é necessária”.
O apelo enumera, seguidamente, um conjunto de razões que a impõem: “É que o uso excessivo dos ecrãs induz uma hiper-solicitação permanente, fonte de stress e de cansaço. Priva-nos de tempo de repouso, de reflexão e de presença no mundo, indispensáveis ao bem-estar e ao bem-pensar. Favorece práticas patológicas e compulsivas, designadamente por parte dos jovens e das pessoas frágeis. Modifica em profundidade os processos de atenção, de memorização e de aprendizagem. Prejudica, por vezes, a qualidade das nossas relações interpessoais”.
Os signatários terminam endereçando um apelo a todos – cidadãos, políticos e fabricantes – “para o estabelecimento conjunto de regras de bom uso das novas tecnologias, um código de boa conduta da vida digital”. Como muitos outros têm vindo a dizer, “o desafio é importante: está em questão a preservação do nosso equilíbrio psíquico e da nossa humanidade face aos utensílios digitais”.
As razões do apelo para que se evite o abuso dos ecrãs são aprofundadas noutros textos que a revista Psychologies publica. No destaque concedido a esta preocupação, que merecia ser mais amplamente partilhada, não faltam os bons conselhos. Um dos que pode, desde já, ser aproveitado é o que recomenda que se prefira um encontro a um telefonema, um telefonema a um e-mail, um e-mail a uma mensagem SMS.
(Texto da coluna 'Os Dias da Semana' que o autor publicou no Diário do Minho, em 3.1.2013)
segunda-feira, fevereiro 04, 2013
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário