De repente montou-se uma guerra no Norte do Mali. Contra o terrorismo e pela democracia, notam os dirigentes franceses e repetem as diplomacias ocidentais. E se esta guerra fosse também - alguns dirão: sobretudo - um biombo para acautelar os interesses do Ocidente em urânio, produto em que o pobre Mali é rico?
Ao ler notícias que nem sempre os grandes media publicam e, menos ainda, aprofundam, sobre o eclodir deste conflito na África do Norte, damo-nos conta de que o caso é bem mais complexo do que o pintam e que vale a pena acompanhar com atenção este dossiê.
Uma das teorias que os manuais de estudos jornalísticos nos apresentam e que nos podem ajudar a ler criticamente as notícias, nomeadamente as das guerras, é a teoria do enquadramento ('framing' em inglês, um conceito sugerido por Todd Gitlin). Propõe que inerente à representação e apresentação da realidade social operada pelos media está un enfoque, uma perspectiva que concentra as atenções em determinados tópicos ou ângulos, de fácil adesão, deixando na sombra outros que seriam igualmente (ou talvez mais) relevantes.
Esta teoria é, de certo modo, envolve uma forma de seleção e de silenciamento, mas é mais do que isso. É um enviesamento na produção discursiva (fabricado, neste caso, pelas fontes - Estados, organizações internacionais, etc) e - numa etapa fundamental para a eficácia e efetividade desse enfoque - tematizado, desenvolvido e amplificado pelos grandes media.
O terrorismo, pela sua própria natureza, possui uma enorme força mediática. Mas desde os ataques às torres gémeas e ao Pentágono, em 2001, adquiriu um 'valor-notícia' ainda maior. Neste contexto, enquadrar os motivos dos bombardeamentos das forças francesas no Mali no combate ao terrorismo e, mais especificamente, à Al-Qaeda é motivo mais do que suficiente para que as opiniões públicas pelo menos não reajam negativamente.
Não deixa de ser sintomático que, num momento em que a França atravessa dificuldades e em que vários países ocidentais, a começar pelos Estados Unidos, estejam a abandonar o Afeganistão, os mesmos países se disponham a lançar uma intervenção em larga escala na África ocidental, e com o aviso de que vai se uma operação demorada. Que sentido de solidariedade ou de espírito democrático é que desencadearia uma ação deste tipo?
Há certamente laços históricos que ligam a França ao Mali e outros países da região. Há certamente organizações terroristas e fundamentalistas que há mais de um ano progridem na zona e que transpuseram recentemente o rio Níger, a caminho de Bamako. Mas alguma força ou interesse poderoso levaria os militares para um palco daqueles, para além do terrorismo.
Se se tiver em conta que os países do Sael são grandes produtores de ouro, urânio, cobre, fosfato e ferro, além de petróleo e gás natural; se se disser que o vizinho Níger, sendo o terceiro maior produtor de petróleo, fornece 3% do urânio para as centrais nucleares francesas e que conta abrir em 2015 uma nova mina a céu aberto, explorada por franceses, o quadro complexifica-se bastante. "Certos observadores - escreve hoje o jornal católico La Vie - sublinham o interesse que poderiam ter estes Estados [como a França e a China, nomeadamente] em exagerar a ameaça terrorista para justificar uma presença militar, como aconteceu com o Iraque com a invenção das armas de destruição maciça, por parte da administração Bush".
É claro que o controlo do urânio por organizações terroristas representa uma pesada ameaça para as nações, mas é necessário que o jornalismo nos forneça os vários aspectos do caso, e não alinhem de modo mais ou menos seguidista no 'framing' que os Estados pretendem ver adotado e amplificado.
Para ler e aprofundar o assunto:
- Anne Guilon, Pourquoi la France est en guerre au Mali, La Vie, 13.1.2013
- Stéphane Lhomme, Guerre au Mali : sécuriser notre approvisionnement en uranium, Rue 89, 15.1.2013
Complemento em 25.1.2013:
Sob o título: "Guerre d'infos
Le difficile travail des journalistes au Mali"
o jornal Le Monde pergunta hoje:
"Comment parler de la guerre au Mali quand la moindre (et rare) information est invérifiable ? Que montrer d'un conflit où photographes et équipes de télévision n'ont pas accès au front et où les seules images disponibles sont occasionnellement délivrées par l'armée ? "
(...)
"Dans un article publié le 24 janvier, Télérama tente d'apporter plusieurs réponses aux questions que pose la couverture médiatique de la guerre au Mali.
Pourquoi n'y a-t-il pas d'images ? Tous les médias l'ont constaté depuis le début de l'intervention, le 10 janvier : la "Grande Muette" qu'est l'armée française porte toujours aussi bien son nom en période de conflit. Les informations sont distillées au compte-gouttes. "L’armée française a dépêché des officiers de presse sur place, mais ils sont injoignables, peste Sylvain Lequesne, grand reporter à France 3, interrogé par Télérama. Ils nous disent que ne pas communiquer c’est déjà communiquer !" "Les autorités françaises ont peur que nos informations servent à l'ennemi, explique Pierre Grange, grand reporter sur TF1. On nous refile donc très peu de tuyaux."
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